11 outubro, 2014

FAM Capítulo - XIV - Voltando pra casa

Canavieiras, 26 de maio de 2014.


                         



   Estava feliz de estar em casa, mas não parava de pensar na noite anterior. Foi loucura da minha parte, eu sei. Mas se voltasse no tempo teria feito tudo igualzinho, o ruim é que agora continuo sentindo o perfume do Fred em mim e toda vez que toco uma parte do meu corpo que ele tocou as lembranças vem vívidas em flashes na minha mente.

   Quando eu voltei para o albergue percebi que Hellen estava se coçando para perguntar o que tinha acontecido, mas do jeito que eu cheguei no nosso quarto, toda cheia de areia da praia e com um sorriso largo impossível de disfarçar, acho que transparecia o que tinha acontecido. Mesmo se eu tentasse descrever para ela o que tinha sentido, acho que não conseguiria com exatidão. Preferi guardar essas lembranças só para mim e fiquei grata por ela respeitar isso.

   Na manha seguinte teria que ir para a escola, já tinha faltado um dia e não poderia faltar novamente. Tudo correu normalmente, de volta a minha rotina. Aquela experiência parecia tão distante, como se eu tivesse imaginado tudo. Antes de voltar pra casa decidi caminhar um pouco pela praia para ver se acordava de vez para minha vida real.

   Ao chegar em casa, a realidade da minha vida comum deu lugar a um cenário dantesco. Estacada na porta, pisquei várias vezes, na tentativa de desconstruir aquela visão. Agora mais do que tudo na vida, eu queria poder estar sonhando. Estirados no chão da sala estavam meus pais. Mortos. Seus olhares fitando o vazio. Seus corpos repletos de perfurações. O sangue escorrendo de seus corpos, inundando a sala com um vermelho escarlate. Meu mundo girou, senti náusea, o coração disparado, apertado contra o peito. As lágrimas começaram a cair, cada vez mais velozes. As pernas tremiam, mas eu não conseguia sair do lugar, estavam enraizadas no chão, paralisadas diante a cena. Minha mente começou a trabalhar a mil. Hora me mandava fugir, hora me mandava buscar respostas. Quem poderia ter feito isso com eles? Moramos na praia, longe de qualquer possível vizinho. Um ladrão? Quem poderia ter cometido essa atrocidade em plena luz do dia? Meus pais não tem inimigos, muito pelo contrário, são queridos na cidade.Nossa casa é humilde, não tem nada de precioso. Depois de um período que poderiam ser de segundos ou de horas – a noção de tempo não mais me pertencia naquele momento –, finalmente reuni forças para entrar em casa e procurar o telefone. Precisava chamar a policia.

   Então eu o vi.

   Parecia uma criança. Um menino. Ele estava com uma faca ensanguentada na mão direita. Um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente. Era tamanho que dava para ouvir os pingos de sangue caindo no chão. Seu olhar encontrou o meu. Atônito, talvez pela surpresa do flagrante, acabou deixando a faca cair no chão. Tentava fazer uma ligação mental do que poderia ter acontecido aqui. Como uma criança poderia ter feito isso era pergunta que me fazia. Comecei a me mover lentamente para trás no intuito de fugir. Ele era uma ameaça e não era só porque ele havia acabado de matar duas pessoas, havia algo mais nele, algo que o diferenciava de um homicida qualquer, mas eu não queria ficar por lá para descobrir. No instante seguinte ele despertou do transe momentâneo e como um felino, estudando a melhor oportunidade para me atacar. Não podia dar as costas para ele.

- O que você quer...? – minha voz saiu estranha, abafada pelo medo.

- Matar você – respondeu, a voz era um tanto grave para um garoto. Havia naquelas palavras muita maldade e eu soube de uma vez por todas que não estava de frente para uma criança qualquer.

- O que fiz a você?

- Nunca terá a chance de descobrir, abominação.

   Ele se aproximava lentamente de onde eu estava nitidamente se divertindo com o pânico que causava em mim. Fiquei parada olhando com cautela para todos os lados tentando traçar uma rota de fuga. Meu tempo estava acabando, ele estava cada vez mais perto. Desesperada comecei a atirar tudo que estava a minha frente na esperança de retardá-lo e ter a chance de correr mas ele mesmo com um perna só saltava para se mover grotescamente atrás de mim, rindo estridentemente. Sua risada me pareceu familiar de alguma forma, mas a única coisa que eu queria pensar era me salvar.

   Atirava coisas e mais coisas em sua direção. Umas ele agarrava outras ele se esquivava debochando da minha patética tentava de detê-lo. Olhei para trás para saber a que distância estava de mim e acabei caindo. Ele rapidamente me alcançou e me arrastou pelo calcanhar em sua direção. Gritei, esperneei, tentei chutá-lo. Todo meu esforço parecia diverti-lo ainda mais. Avistei a faca, em minha ultima oportunidade de resistência dei meu máximo para agarrá-la enquanto me debatia. Meus dedos estavam perto, minha unhas se quebraram no esforço. Meu coração parecia que ia rasgar meu peito e meu corpo suava frio devido ao tamanho terror que vivenciava.Tinha passado do melhor para o pior momento da minha vida em apenas horas. Enfim consegui empunhar a faca. Ele viu que consegui e com uma puxada brusca me trouxe de uma vez só para perto o suficiente para eu ver seus olhos vazios e sentir seu bafo nojento.

- Chega até ser bonitinho essa sua tentativa ridícula de se defender. Você acha que essa faca vai te ajudar? Eu sou amaldiçoado com a imortalidade. Você não pode me deter. - disse rindo.

   Eu não conseguia processar tudo que ele dizia, mas não ia me entregar assim, mesmo que eu morresse tentando. Fechei os olhos, a imagem dos meus pais veio a mente me encorajando, então enfiei a faca com toda força que tinha naquela criatura. Sua risada cessou e quando abri os olhos ele não estava mais lá, em seu lugar tinha uma poeira escura. 

   Soltei a faca e comecei a chorar, mas as lágrimas não aliavam a minha dor. Lentamente fui erguida em pé no ar, não sei como, o terror parecia não ter fim. Aquela poeira formou um redemoinho a minha volta. O desespero voltou a tomar conta de mim, queria descer. Meu corpo começou a absorver aqui em que o monstro se transformou. Senti como se uma corrente elétrica tivesse me atravessado e joguei a cabeça para trás. As coisas a minha volta começaram a sumir e me entreguei a escuridão.





2 comentários:

  1. Aterrorizante! Estou impressionado com a sua criatividade, já tinha lido alguns capítulos, e gostei bastante do todo, creio que você teria uma receptividade positiva ao pública-lo, precisa de uma revisão, mas isso se encaixa com a editora. Desejo sucesso e que sua imaginação nunca encontre limites.
    Esses são os votos da Sociedade do Saber.http://sociedade-do-saber.blogspot.com.br/
    Ate mais.

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